sábado, 15 de maio de 2010

Renúncias - 3 - Gui(nada)

ATENÇÃO - este post possui conteúdo erótico. Antes de lê-lo, recomendo que leia o Introito

A primeira coisa que eu consegui discernir nas imagens que passavam diante de mim foram aqueles olhos. Como sempre, olhos penetrantes, curiosos e sorridentes. Por mais que não se pudesse ler um sorriso naquela face de anjo, podia-se ler no olhar uma marotice que às vezes, se travestia de inocência e doçura, e às vezes, mostrava-se o olhar de um predador segundos antes de atacar a presa.
Depois de encontrar aqueles olhos, que me fitavam de volta fixamente, fui discernindo o resto, o rosto no qual aqueles olhos se enquadravam, os óculos que pareciam repousar sobre aquele nariz de forma preguiçosa e displicente, jogados pra frente, talvez com uma certa inveja, ou medo do que aqueles olhos poderiam ser capazes, olhos estes que eles tentavam emparedar vitraceamente. Ficaram mais evidentes os contornos dos olhos e o supercílio, com aquele piercing que também parecia estar ali por obra do acaso, e não por deliberação cuidadosa. O foco foi abrindo, uma testa larga acompanhava o contorno do rosto. E o sorriso? Um sorriso meio tímido e também maroto, irmão gêmeo malvado dos olhos. Mas o sorriso era farto e de dentes alinhados, perfeitos. Como uma flor rebelde, ele se abria de quando em quando, apenas em certos momentos. Nessas horas, qualquer pessoa que estivesse ali se sentiria mal de não ter uma câmera fotográfica, ou lamentaria não ter herdado talentos de um Rafael ou um Delacroix para imortalizar tal instante.
Ampliando mais a visão, vejo o corpo todo de relance. Uma camiseta justa colada a um torso bem trabalhado e braços fortes, mas ambíguos com relação ao fato de terem sido conquistados a duras penas numa academia. Tudo ali parecia um grande por-acaso, um amontoado de átomos que virou gente, mas um amontoado muito bem desenhado.
Desvio o olhar, pois a quantidade de beleza contida naquele pedaço de universo cega e machuca os olhos. Contudo, uma espécie de força oculta, que se move dentro de mim como uma lombriga nervosa, força meu olhar de novo a encontrar aquele olhar que me fita e captura com aquele sorriso que se abre convidativo em reconhecimento. “Oi!”
Respondo envergonhado, “Oi! Tudo certinho?” Envergonhado, por talvez ter denunciado o embevecimento que ele me causava, mas curioso para saber o que havia por trás daquele olhar.
“Tou acabando a semana de provas! Tou ficando doido com isso.” É. A conversa vai se manter no mesmo nível de sempre, agradável mas superficial.
“Espero que você consiga se sair bem. Vou enviar umas energias positivas pra você”. E fico nervoso, sinto minha mão suando. Por que eu falei isso? Eu sei que ele é cético. Talvez ele nem acredite em poder da mente, e energias. Mas pelo menos ele pode pensar que eu penso nele fora deste ambiente. Que eu penso nele!
Nele. NELE. Não entendo como as pessoas podem ficar aqui tão estoicamente tranquilas com a presença dele. Elas deveriam se sentir menores, inferiores, monstruosas, mas elas ficam ali apenas o olhando e o tratando como uma pessoa normal. Ele é normal, até demais. Irritantemente normal como muitos outros garotinhos bonitinhos, presos a uma ética sexual ultrapassada, e... Bom, poderia elencar aqui frases de um despeitado, apologias a um orgulho ferido por não poder jamais ter acesso a um tipo de beleza transcendental, mas prefiro caminhar mais alguns passos adiante.

“Posso te fazer uma pergunta?” a tela branca, o cursor, as letras nervosas pulando na tela. “Pode, ué.” Agora sou eu que estou na posição de presa, e ele na de predador. Protegido pela virtualidade da realidade da internet, podendo dar a cara a tapa, será que ele não percebeu a gravidade da pergunta que eu fiz? Será que ele se faz de tolo ou se deixa levar, ciente de que algo está errado, mas não sabendo exatamente o quê? “É que eu tenho uma curiosidade”... Acho que agora me entreguei. E ele percebe, ainda que morda a isca: “Lá vem” E eu aproveito a deixa e vou mesmo.
“Você aceitaria sair um dia comigo, pra tomar uma cerveja ou algo do gênero? Pra gente conversar?” Pra que eu faço isso comigo mesmo? Ele nunca vai aceitar. “Pra tomar uma cerveja sim, ué... Você é meu amigo, né?” Amigo? Amigo. É, né? Será que não conseguiria tirar dessa amizade, o mesmo prazer sensorial do qual só tenho vislumbres ao chegar perto dele? No momento em que, desconfortavelmente – me sinto conseguindo apenas migalhas –, apertar a mão dele, e talvez, passar a mão na sua cintura, pra dar um tapinha nas costas. Será que um dia vou abraçá-lo? Amigos se abraçam. Será que um dia ele vai estar me esperando em um Jaguar branco na frente do meu prédio, pra me levar pra um castelo com bandeiras de arco-íris? Ou será que voaremos até fim do arco-íris? É. Pra pensar assim só sendo tão ridículo quanto as cartas de amor do Pessoa. Como uma menina de quinze anos, esperando o príncipe. Imbecil. Um amontoado de bobagens. Não é isso que eu sinto, mas percebo algo. Percebo que não existe paixão, não existe amor, seria então apenas tesão? Apenas tesão, e nada mais.

(***)

“Bom, finalmente aqui estamos. Gostou do lugar?” perguntei, com objetivo de quebrar o gelo. Podia sentir no ar – junto com o cheiro de cigarro e de algum produto de limpeza barato com o qual deviam ter acabado de limpar a mesa à qual nos sentamos –, um certo medo ou desconforto. Difícil definir qual dos dois, já que o medo causa certo desconforto, ainda que a recíproca não seja verdadeira. Mas ali estávamos. Cara a cara. Sem nenhum obstáculo, como o de não ter tempo ou de pessoas conhecidas olhando. Só nós, ainda que apenas eu e ele. Um nós apenas discursivo e plural de eus, não fusão. Eus tão diferentes, tão distantes de si, ainda que sentados ali, separados apenas por uma mesa de madeira de armar. Aparentemente desarmados.
Um silêncio que parecia amplificar os sons à nossa volta, percebi a impossibilidade de estarmos ali, de aquilo ser real de qualquer forma. Quem eu estava tentando enganar? Não era óbvio que o meu desejo exalava por cada poro da minha pele? Não era visível o modo como eu olhava pra ele, tentando adivinhar todas as formas que se ocultavam entre tecidos a partir do que era revelado na nudez da pele? Pra minha alegria, era verão!
“Lembra aquele papo que tivemos uma vez sobre honestidade?”, comecei, pra poder novamente acabar com aquele silêncio incômodo e ao mesmo tempo tão necessário, pra que eu tivesse uma chance de medir bem as palavras. “Lembro” disse ele, debruçando-se sobre o cardápio e olhando atentamente para as opções do que poderia tomar. Porra, ele não tinha vindo aqui pra tomar um chopp comigo? Por que tinha que ficar olhando pra droga de cardápio plastificado e engordurado e cheio de coisas óbvias? Uma cerveja num bar custa sempre a mesma coisa, e assim por diante todas aquelas bebidas? Então por que não me dar atenção?
“Por quê?”
“Bom, porque às vezes eu sinto que quero te falar certas coisas, coisas que se passam no lado mais negro da minha alma, mas sinto que não devo, em respeito a você.”
“Olha, meu, eu acho que sei onde você quer chegar. Não acho que você precise voltar nisso. Você sabe minha opinião. Eu te respeito, mas não aceito essa tua escolha. Sou um cara careta. Acho que você é um cara super bacana e vai encontrar uma pessoa bacana também, que goste das mesmas coisas que você. Somos só amigos. Só isso.” Percebi que, para ele, chegar neste ponto tinha sido complicado. Conhecendo o seu acabrunhamento, uma timidez que se confundia com auto-proteção, vi que só havia uma alternativa de me livrar daquele peso que me oprimia o peito. (Eu e minha mania de achar apenas uma opção para solucionar os problemas, e normalmente a mais idiota de todas).
“Você sabe o que eu quero?” disse em tom de desafio, enquanto me concentrava em suas pupilas, que pareciam se dilatar e se ampliar. Eu parecia conseguir enxergar os poros de sua testa se abrindo também.
“Sei. E não vai ser nada fácil conseguir.” E sorriu enquanto chamava o garçom. Um sorriso de certa forma maldoso, em reflexo ao meu olhar desafiador.
“Veremos”, foi o que pensei. E senti o diabo dançar no meu corpo.

(***)

O carro deslizava devagar pelo asfalto... As janelas, meio abertas, faziam entrar um vento cortante com cheiro de noite. Ele dirigia com a cara fechada. Silêncio. Nem o rádio ligado, um CD provavelmente daria conta de encher o silêncio que então se impusera sobre nós, mas ele preferia o silêncio.
Percebia que ele estava contrariado, ainda que dirigisse sem nenhum tipo de insegurança em direção ao lugar que eu havia indicado. O vento frio no rosto, a presença dele ali ao lado, quente, humana, davam uma sensação onírica à situação. Tudo parecia uma grande mentira. Tinha que ser, pois eu nem sabia como imaginar ou idealizar a situação em que havia me metido.
Ele para o carro no meio-fio. Percebo a dúvida em seus olhos. Realmente, ninguém consegue dar conta de se deixar levar sem luta. Mas trato é trato. Sai pra lá, Mefistófeles, te botei no chinelo com meu Fausto pós-moderno. Eu sorrio.
“Eu tou um pouco assim, tipo, vai ser muito estranho entrar com um cara.”
Claro, a desculpa da porta do motel. Como se a atendente já não visse de tudo nessa cidade louca que a gente mora. “Olha, o pessoal desses lugares tá acostumado a ver de tudo. Eu já fui lá algumas vezes e sempre foram muito simpáticos. Se você quiser, posso dirigir até lá e entrar, se você não quiser falar nada.” Menti, é claro. Era a primeira vez que ia ali, e não sei se ia saber como guiar o carro. Mas mexi com algo ali, com a posição de macho-alfa, que não admite se submeter. Estava querendo tirar dele o controle? Ele estava entrando no jogo:
“É, você tá certo, pagando bem que mal tem?” e riu. Um riso nervoso. Então percebi que estava diante de uma espécie de virgem, de uma pessoa que estava morrendo de medo do que estava pra acontecer, mas senti o cheiro de curiosidade, se não pela coisa em si, pelo menos por saber até onde as coisas podiam chegar.

Abri a porta com certo misto de excitação e medo. Eu também não sabia aonde aquelas coisas iam nos levar. Tudo tinha que ser bem medido, tudo muito devagar, sem ir com sede demais ao pote. Ele colocou sob o móvel sua carteira e as chaves do carro. Olhou bem ao redor. Sentou-se na cama. Eu fui direto ao banheiro e displicentemente com a porta aberta, meio que provocante, impondo já uma certa intimidade recém-criada, mijei. Quando saí do banheiro ele continuava na mesma posição, sentado na cama, com as mãos sobre as coxas, cabisbaixo, olhar perdido. Me aproximei e com as costas da mão, fiz uma carícia no rosto dele. Ele se aborreceu. Fechou a cara. “Meu... Eu acho que não vai rolar e...” Eu o interrompi. A mesma luta. Resistência.
Bom, todo mundo começa por baixo. Me abaixei, puxei as extremidades dos cadarços dele, e com as duas mãos tirei um tênis, depois o outro. Sem olhar pra ele, falei firme: “Deita”.
Ele relutou, mas deitou de barriga pra cima. Peguei no pé dele e comecei a massagear. Se você quer comer o filé, primeiro tem que amaciar a carne, não? Fui acariciando e apertando o pé dele, primeiro o direito depois o esquerdo. Enquanto massageava, tirei as meias e as joguei no chão. Percebi que ele havia fechado os olhos. Algo zumbia no quarto, não sei se era a lâmpada ou algum outro aparelho naquele cubículo com cheiro duvidoso e limpeza quase hospitalar. Ali na minha frente aquele corpo inerte, porém quente. Tentava fechar os olhos e experimentar a sensação que era tocar naquela pele estranha, quente e macia... Tentava, como nunca, me aproveitar do silêncio e ouvir a respiração dele. Adivinhar seus pensamentos.
Fui subindo a mão e apalpando as suas panturrilhas. Elas eram duras, modeladas. Sentia uma certa contrariedade por estar apalpando por cima do jeans, mas tinha medo de dar um passo maior que a perna. Paciência. Fazê-lo tirar a calça era algo muito complicado. Ele poderia se sentir exposto. Ainda não.
Decidi interagir com aquele corpo silente e inerte. Tirei meus sapatos com meus pés, e escalei a cama até ficar ajoelhado ao lado de onde ele estava com a cabeça.
Me abaixei até perto do ouvido dele, e vi que ele havia aberto os olhos, creio que curioso pela movimentação que eu estava fazendo. Sussurrei ao seu ouvido. Algumas coisas soam melhor quando apenas levemente sussurradas. Escolhi brincar com ele e fingir um clima: “Você poderia se virar de costas?” Ele não respondeu. Não se moveu, tampouco. “Confia em mim!” Então, ele se moveu bem devagar, como se tivesse que lutar com cada fibra do seu corpo, que relutava em obedecê-lo. E novamente fechou os olhos. Fui passeando os dedos por toda extensão das costas, procurando cada centímetro da pele, conhecendo e tateando cegamente uma terra inexplorada, ainda que por sobre a camiseta. Fechei os dedos nos seus ombros e comecei a fazer movimentos leves, depois mais fortes. Fui ampliando a área de toque e fui descendo por toda a coluna, até atingir a base dela. Com as duas mãos, empurrei para cima a barra da camiseta, desnudando metade daquele dorso cor de cobre e liso como uma maça. Empurrando a roupa, já alisava aquela pele quente e macia. Ele estava amolecendo diante da massagem, permitindo mais... Puxei a camiseta, e ele meio que se levantou para permitir tirá-la, mas ela se enganchou nos óculos, os quais dele tirei antes de terminar de tirar a camiseta. Percebi que os óculos haviam deixado marcas de seus apoios no nariz dele.
Fui tocando naquela imensidão de pele, mais do que tinha tido acesso até então, e me curvei para poder sentir o cheiro que tinha aquele calor que queimava minhas mãos, atraindo-as como ponteiros de uma bússola ao norte que, naquele segundo, ele personificava. Senti um cheiro suave e acre de suor, mesclado com o perfume de desodorante ou sabonete, não saberia dizer. Fui me curvando e quase encostei meu nariz nas suas costas. Enquanto isso, minhas mãos descansavam da massagem, apenas passeando distraídas, acariciando, sentindo, escorregando pelos lados daquele dorso, sentindo o encaracolado dos pelos das axilas. Comecei a desenhar com a ponta do nariz naquelas costas, criando trilhas imaginárias, descendo pelo veio de sua coluna, sentindo o calor e o odor, que já faziam parte de mim. Contudo, ainda havia algo de estranho, a inércia daquele corpo quente e calado me intrigava. O que ele estaria pensando? Estaria ele se imaginando na cama com uma garota? Será que ele pensava em formas de sair dali? Beijei levemente o ponto onde o meu nariz havia parado seu movimento distraído. Nenhuma reação. Nenhum sobressalto. Estaria ele morto? Continuei a beijar cada centímetro de suas costas, ao redor das omoplatas, os ombros. Abri mais a boca e comecei a mordiscar bem levemente aquela pele já umedecida pela minha própria saliva que se misturava ao seu suor. Fui mordiscando levemente, mas aumentando a velocidade com que mordia, dando passagem a uma voracidade, uma urgência, como se precisasse me alimentar do que quer que houvesse ali para matar a fome.
Fui chegando na nuca e ali pude me perder por alguns segundos. Foi então que houve alguma reação. Haveria eu despertado o dragão? Abri os olhos, mas continuei com as mordiscadas, ousando passar os dedos entre seus cabelos. Ele arqueou o corpo, o que me desequilibrou, e me fez ficar de joelhos novamente ao lado dele na cama. Em um único movimento, como o de um peixe na praia se debatendo para tentar voltar para a água, ele se virou de barriga pra cima. Pude ter uma visão daquele peito peludo, e daquela barriga que, ainda que não definida, era tampouco saliente. Subia e descia ao movimento do ar que entrava e saia e, novamente, como uma força magnética, minhas mãos foram se aproximando e passeando, sentindo. Sentia que não podia deixar intocado nem um milímetro de pele. Olhava aqueles mamilos rijos, talvez por reação à leve brisa que entrava pela janela, e evitava tocá-los porque queria deixar o melhor para o final. Volteei o umbigo, fazendo meus dedos tocarem de leve em forma de espiral, até que com o polegar e o indicador comecei a beliscar os dois mamilos. Ele riu, como se tivesse cócegas, e falou: “Não!” Eu estremeci. Droga! Movimento errado. Eu ainda devo dar a ele a impressão de estar no comando. Comecei a massagear novamente o peito, as laterais. Tocava de leve nas axilas, que se mostravam em seu esplendor, já que ele havia jogados os braços para trás e um cobria os olhos. A garganta secava e minha boca fazia cócegas, ela queria participar. Me curvei novamente e repeti o que havia feito nas costas, passeando com o nariz por apenas alguns segundos antes de começar a lamber o que quer que houvesse ali. Evitando por enquanto os mamilos, fui lambendo e sentindo o gosto de sal e de perfume. Num movimento ousado, lambi em volta das axilas, o que fez com que bruscamente ele recolhesse os braços e vedasse minha passagem por aquela parte tão heterodoxa do seu corpo. “Eu tenho cócegas!”, disse rindo, e percebi pela primeira vez na noite um sorriso autêntico, aquele sorriso pueril do qual eu era fã. Sorri também. Fui me aproximando aos poucos, queria capturar aquele sorriso pra dentro de mim, queria devorá-lo. Não sei se foi meu calor, ou algum pressentimento, mas a cinco centímetros de meus lábios tocarem dele, abriu os olhos e vi o medo se estampar. Ele virou o rosto. “Ow, ow ow... sem beijo! Isso não rola mesmo!” Isso me paralisou. Uma onda de fúria (ou seria vergonha?) subiu ao meu rosto, inflamando-me. “Mas, meu...”, e dessa vez foi ele que me interrompeu. “Acho melhor a gente parar. Não ia dar certo mesmo, e ...” Eu tinha que pará-lo. Tinha que virar o jogo. Pensa rápido, pensa rápido. “Beleza! Eu tava mesmo forçando a barra. Desculpa, de coração, mas não vamos estragar o que tava tão legal. Não tava gostoso até agora?” Desviei o olhar, pois não queria ouvir ou ver nenhuma expressão que pudesse contradizer o que eu estava sentindo. “Faz o seguinte”, continuei, “deixa eu continuar a massagem, pra pelo menos você ficar relaxado. Tira a calça, pra eu poder fazer direito nas panturrilhas.”
Recebi um olhar desconfiado. De novo, pensei que havia me movimentado rápido demais. Mas ele balançou a cabeça, recostando novamente na cama, e levando as mãos até o botão e o zíper. Parecia que se movia em câmera lenta, e eu senti um calor subindo por minhas coxas, alojando-se na virilha. De novo aquela cena parecia tão sublime, quase irreal. Ele desabotoou a calça, e lentamente – o que parecia para mim uma eternidade –, desceu o zíper. Segurando pelas barras, fiz a calça deslizar por suas pernas e a joguei no chão perto de onde havia jogado as meias.
Pude então observar aquelas coxas que antes só se delineavam sob o tecido, e notar o volume que ainda se mantinha oculto sob uns centímetros quadrados de tecido. Ele notou meus olhares e se envergonhou. “Você não vai continuar a massagem?” Saí daquele torpor contemplativo e baixei os olhos para observar os já conhecidos pés e o restante da perna. Resignado, mas ainda contente, ajoelhei-me no chão, fora da cama, e comecei a fazer movimentos nas panturrilhas e na canela. Ali fiquei entretido, fui me perdendo em pensamentos, de novo refletindo sobre a total sensação de irrealidade que aquela situação me provocava. Ele voltou ao seu estado inerte, e eu ficava imaginando o que ele poderia estar pensando naquela hora. Quando já havia me aborrecido de massagear aquela região, decidi ousar e comecei a massagear os joelhos, rapidamente mudando para as coxas. Nenhuma reação.
Foi neste exato momento que tive a ideia: se não pode vencê-los, junte-se a eles. Decidi que não podia atacar diretamente, tentaria de uma forma mais velada. “Posso te fazer uma pergunta?” lancei. “Lá vem!” e a resposta dele já se tornava uma constante. “Como foi sua melhor transa?” Ele ficou em silêncio por alguns segundos resolvendo dar a resposta mais comum. “Foi legal, muito excitante.” E o silêncio. Será que ele achou que uma resposta simples dessa poderia me apaziguar? Percebo que estou apertando-lhe as coxas em movimentos repetitivos e quase mecânicos. “Já que é tudo o que vou conseguir de você, por que não me conta com algum detalhe como foi?” Com qual objetivo as pessoas respeitam as vítimas? Será que Nietzsche não ensinou bem a lição de que a piedade é a miséria que constitui o homem moderno? “Bom”, ele mordia a isca de novo, “foi com minha ex-namorada. Estávamos na praia, o pessoal saiu da casa onde ficamos hospedados, indo pra praia, e nós ficamos pra trás. Só eu e ela. Ela não queria, eu tava já com muito tesão, por ela estar só de biquíni e canga.” Continuei a massagem e esbocei um sorriso que tentei esconder olhando para o outro lado. “Sério?”, soltei, forçando um pretenso interesse nessa história tão alheia a nós, àquele momento. Ele continuava. “Ela dizia que a qualquer momento alguém podia voltar, e eu dizia pra ela que não tinha que se preocupar porque a gente ouviria alguma coisa. Ela não queria ceder e isso foi me deixando com mais tesão. Ela inclusive começou a se afastar de mim e mandar eu me controlar porque ela não ia conseguir se segurar muito.” Enquanto ele contava essa parte da história, eu fui subindo minhas mãos na coxa dele, ainda massageando, consegui fazer as costas da minha mão tocarem o tecido da cueca. Afastei um pouco suas pernas, e com o dedo mindinho podia tocar-lhe levemente o saco, de uma forma bastante disfarçada, como que acidental. E ele continuava, ignorando este meu movimento “Daí eu coloquei ela contra a parede, ela pedia pra eu parar e aquilo ia me deixando mais e mais excitado, fui passeando a mão pelo corpo dela e fui pondo a mão por dentro do biquíni. Ela gemia, não pedia mais pra eu parar, só gemia baixinho que era melhor não, que tava tão gostoso, e eu não conseguia parar... O peito dela inchava na minha boca, o mamilo super duro, e eu ia pressionando ela contra a parede, lambendo a orelha e...” E ele engasgou. Não conseguiu terminar a frase, olhei pra cima e entendi o porquê. Meu plano tinha dado certo. Não sei bem se por causa das minhas carícias pseudo-acidentais ou pelas lembranças que a história devia estar causando nele, o corpo estava reagindo e o pinto dele estava duro, latejando e lutando contra a falta de espaço, pois a cueca mal conseguia contê-lo. Ele percebeu meu olhar e foi como se tivesse levado um choque. Fechou ambas as mãos em forma de concha e colocou sobre seu membro que mal cabia sob essa precária proteção. Era minha hora de agir. Tinha que ser agora. “Ela te chupou?”, como se eu não tivesse percebido nenhum movimento, continuei. “Não. Ela não gostava muito disso não”, disse ele, meio contrariado. Foi uma questão de segundos. Com uma mão, empurrei a proteção que ele havia feito com as mãos para o lado, e com a outra, puxei um pouco a cueca. Ainda estava meio duro, e saltou para fora. Ele tentou empurrar minha cabeça pro lado, mas eu já havia me abaixado e lambia seu pinto de baixo pra cima. Quando cheguei à glande, que estava recoberta pelo prepúcio, fiz pequenos movimentos com a língua, e seu pênis vibrou, endurecendo totalmente. Ao endurecer, ele se elevou um pouco e aproveitei para colocá-lo dentro da boca. Engolindo cada centímetro daquele membro, ia sentindo como se estivesse aplicando alguma espécie de anestesia, pois suas mãos já não mais empurravam a minha cabeça e ele já não mais debatia as pernas numa tentativa de se sentar ou se levantar. Fui aproveitando a velocidade com que tinha feito aquilo – meu coração batendo aceleradamente, meu pinto endurecido, mas preso pela calça, incomodando –, para fazer movimentos mais e mais intensos e velozes. Será que eu o havia matado? Não havia mais sons ou movimentos por parte dele. Apenas um corpo, os olhos fechados e um pinto duro.
Com uma das mãos, eu segurei a base do pênis para que eu pudesse evitar uma posição na qual minha boca pudesse machucá-lo. Com a outra, fui abrindo meus zíper e botão. Finalmente havia atingido o que queria, mas havia algo errado. Eu queria mais. Tirei a boca com cuidado, com medo de fazê-lo despertar daquela catatonia, e com uma mão, mantive o movimento frenético da masturbação, fazendo movimentos repetidos com o dedão e com indicador, aproveitando a lubrificação da minha saliva. Com a outra mão, tentava me livrar da calça e da camiseta. Já não conseguia mais pensar direito, já não conseguia mais jogar.
Estava apostando que havia dado a partida, havia derrubado a primeira peça de um efeito dominó, e que seria impossível para ele voltar dali. Enquanto o masturbava, pude perceber pela primeira vez de verdade o que era aquilo que tinha na mão. Um pinto não muito grande, mas grosso, pelo menos mais grosso que o meu. Bastante rico em veias, mais claro do que esperava, pelo tom de pele dele. Um prepúcio abundante e que revelava apenas a pontinha daquela glande rosada, mas não vermelha brilhante. A quantidade de pelos era abundante e era prosseguimento daqueles que se espalhavam pelo seu abdômen. Enquanto computava estes detalhes antes negligenciados, percebi que ele abriu o olho. Ficou olhando para o teto, um olhar perdido, sem me fitar, quase sem vida.
Consegui me desvencilhar da minha calça e tentava com apenas uma das mãos tirar a camiseta. Pronto! Daí, só de cueca e meia, eu fui me arrastando na cama e em um movimento rápido, colei meu peito ao dele, joguei todo meu peso sobre aquele corpo que foi queimando toda minha pele, assim como tinha feito com minha mão. Ele reagiu tentando se livrar daquele abraço que deveria ser para ele bastante incômodo. Mas me aproveitava do fato de estar por cima e tentava manter o equilíbrio e sentia nossos pênis se roçando e eu começava a mover meus quadris para frente e para trás, tentando mantê-lo excitado, tentando mordiscar-lhe o pescoço. Começava a pensar na história que ele tava contando, de como a ex-namorada dele ficava pedindo pra ele parar e o quanto essa proibição fazia com que ele não conseguisse se controlar. É o que dizem, proibido é mais legal. De repente, de uma forma que chegou a me assustar, ele soltou como uma espécie de suspiro e protesto: “Meu, o que você tá fazendo? Para com isso!” Eu não conseguia ter energia para parar, o cheiro do cabelo dele, que esbarrava no meu nariz e boca não me deixava falar. Além, certamente, do esforço que eu estava tendo que fazer pra me manter naquela posição. Só consegui sussurrar entrecortadamente “Não pensa em nada. Atira primeiro e pergunta depois.” Achei uma frase extremamente clichê. Burra. Eu deveria usar outro argumento se quisesse fazer ele prosseguir naquilo. Ainda havia apenas a resistência. E uma resistência deliciosamente pornográfica. Contudo, sabia que a situação precisava se inverter. Ele não suportaria mais estar numa posição de subjugado. Seu adestramento havia sido aquele no qual ele é o grande provedor, o que faz os movimentos, o que leva na dança. Mas sem a motivação, como poderia fazer para que ele fizesse os movimentos? Ele conseguiu agarrar meu pulso com uma das mãos que havia se libertado do meu abraço e começou a empurrar. Tentava usar toda a ajuda que a gravidade poderia me dar e tentava me colar à cama e percebi que o esforço que ele estava fazendo me lembrava do que uma vez alguém me dissera: “Com uma mulher é como manipular uma flor. Transar com um homem se assemelha a uma luta.” Fui deixando ele me ganhar, fui me amolecendo. Achava que já tinha chegado ao ápice do que a fortuna poderia me trazer. Mas daí, com que se soprado ao meu ouvido ouvi uma vozinha: “Percebe que pinto dele está duro ainda?”
Imagens invadiam minha mente. A casa da praia, um lugar onde eu não havia estado, ele e uma menina (sem rosto, pois eu jamais a havia visto), ambos encostados em uma parede. Eu podia até sentir o frio dos tijolos, e o desejo dele aumentando. A luta fazia as coisas ficarem mais quentes. Assim, ainda que houvesse a resistência – e talvez tudo fosse abortado, no momento em que eu parasse de me movimentar –, havia essa contra-força, que criava uma situação inusitada em tons extremamente eróticos. Até que ponto eu precisava ir para conseguir envolvê-lo em uma rede, em uma arapuca, para que a inércia funcionasse e ele continuasse aquela dança de movimentos improvisados e dolorosos? Meus músculos tensionavam, minha resistência estava chegando ao limite. Pingos de suor desciam pela minha testa e nariz. Meus braços já começavam a ficar dormentes, contudo, o cheiro que emanava dele e o calor, que aumentava mais e mais com seus movimentos não permitiam que eu esquecesse onde estava.
Seus esforços para se livrar do meu abraço também diminuíam a cada tentativa frustrada, mas ele percebia que minhas forças estavam se esgotando. Que era apenas uma questão de tempo.
Finalmente, decidi que aquela luta não ia levar a nada. Me joguei para o lado, arfando e sentindo cada poro do meu corpo transpirar. Sentia o lençol grudando na minha pele, mas não conseguia me mover. Olhando de esguelha para o lado, percebia que ele também não conseguia se mover. Com o pinto mole já, também respirava fundo e tentava recuperar suas forças. Eu observava aquele corpo e já lamentava que as coisas tivessem que acabar daquela forma. Reunindo algumas forças, soltei: “Foi uma luta e tanto. Pena que você não consegue ir além.”
Ele abriu os olhos e olhou diretamente para mim. Aquele não era o olhar que eu conhecia. Não havia nenhum traço de marotice, apenas violência e... luxúria?! De repente tudo acontecia rápido demais, meus sentidos eram confundidos pela velocidade das ações e pela improbabilidade de aquilo estar acontecendo. Agarrou meu braço e puxou meu corpo para junto dele, com a outra mão empurrando minha cabeça para baixo. Encostei meus lábios em sua glande e comecei a fazer movimentos com a língua, e logo já estava novamente com a boca cheia de algo pulsante e vibrante. Enquanto fazia movimentos rápidos e famintos, ele esticou o corpo para fora da cama e parecia procurar por algo. Ouvi o barulho tão conhecido de plástico sendo rasgado, e o cheiro de látex invadido o ambiente. Olhei e reconheci o que ele segurava com as pontas dos dedos enquanto olhava para mim, firme e imperativo. Parei de fazer o vai-e-vem e, seguro que se tratava de um blefe, dei licença para que ele pudesse colocar a camisinha. Fiz movimentos de que eu poderia fazer aquilo para ele, mas fui rechaçado de novo com um olhar.. O que o fez mudar de ideia? Aquilo não estava nos meus planos.
Não acreditava no que aquilo significava. Colocar a camisinha era o mesmo que assinar o contrato, entrar deliberada e finalmente no jogo.
De novo, sentia que seu olhar mudara, e a malícia me assustava ao mesmo tempo em que me excitava. Peguei minha mochila, que estava jogada num canto, e trouxe ao cenário um tubo de lubrificante. Entreguei a ele e deitei-me de bruços. Agora eu tinha perdido o controle, era ele quem decidia o que ia fazer. Espalhou o lubrificante sobre a palma da mão, e após molhar os dedos da outra afastou as minhas nádegas, num movimento de alguém que parecia muito senhor de si, ainda que hesitante em procurar o que sabia que encontraria. A frieza do gel se mesclou ao toque quente, dedos perscrutadores massageando e lubrificando. Num salto, aquela vivacidade na sequência de tamanha imobilidade me assustava, ele estava sobre meu corpo nu e fui sentindo seu peso e sua dureza que ia buscando se encaixando em mim. Pensei em me ajeitar para poder estar apto a receber aquilo que ao mesmo tempo me preocupava e me excitava. Nunca imaginei que ele fosse me penetrar, não sei se era exatamente o que eu queria. Senti que a glande já me invadia. Respirei fundo, e tentei relaxar, para diminuir a dor. Soltei um “Vai devagar!”, mas ele parecia não ter ouvido, ou simplesmente escolheu ignorar. Sentiu também que havia entrado e num único movimento, pungente, colocou tudo. A dor se mesclava com a irrealidade, transformando aquilo num pesadelo do qual eu não sentia a menor vontade de acordar. Gemi, e tentei me adaptar àquele volume todo. Antes de qualquer sucesso de minha parte em relaxar, aquele corpo estranho começou a fazer movimentos, mas outra vez, apesar de meu desejo que ele fosse lentamente me possuindo, ele rapidamente acelerava seus movimentos. A dor ia se tornando insuportável.
Sentia lágrimas saindo dos meus olhos, mas ainda assim, não conseguia reunir forças pra pedir que parasse. Sentia que às vezes ele reduzia o ritmo, como se estivesse se contendo, mas depois de alguns segundos retomava seu frenesi. Esses ciclos iam se repetindo, eu sentia o suor escorrendo, e via que já se formava uma poça na cama onde estávamos. De repente, estremeço com a voz dele sussurrada: “Tá gostando, tá?” Por que ele tinha que falar desse jeito? Minha garganta parecia ter dado um nó. Não era só tesão? Não conseguia respirar direito. Seu peso me oprimia. Ele estava sorrindo? Não conseguia me virar para ver o rosto dele, pra investigar seu olhar. Me senti sozinho. Um figurante na minha própria história.
Súbito, ouço ele gemer e seu corpo desaba sobre o meu. Vou sentindo espasmos fortes, seu pênis latejando dentro de mim e a sensação de paz que aquela parada me provocou. Alívio puro. Começo a me perceber, recupero a consciência e percebo que ondas de prazer e surpresa me invadem, ao passo que me excito na hora e virando um pouco de lado, ainda com ele dentro de mim, de volta à sua imobilidade, mecanicamente me manipulo pra que um jato quente me traga paz e libertação.
Sinto que ele respira fundo nas minhas costas. Me afasto de seu corpo e rapidamente me viro. Olho nos olhos dele, mas já não consigo lê-los. Parece que vejo neles uma certa compaixão, um certo escárnio, talvez vergonha, uma expressão indefinida. Desvio o olhar. Quem é ele? Quem sou eu? Só sinto uma estranheza que nem tento explicar. E uma ponta de... orgulho? Talvez. Levanto-me e vou ao banheiro. Ele continua parado na cama, uma estátua. Ligo o chuveiro e deixo o jato frio tentar me explicar o que aconteceu.